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A bióloga molecular Bonnie Bassler, PhD pela Universidade de Princeton, descobriu que as bactérias se comunicam usando uma linguagem química complexa. Aprender essa linguagem pode ser a chave para vencer a guerra da humanidade contra infecções bacterianas.

Por Annie Roth / Publicado em Verão de 2024

A relação da humanidade com as bactérias é cheia de altos e baixos. Existem cepas bacterianas que são essenciais para a nossa sobrevivência, como aquelas que nos ajudam a digerir os alimentos e fortalecem o nosso sistema imunológico. No entanto, há muitas outras com as quais literalmente não podemos conviver. Doenças mortais causadas por bactérias patogênicas, como cólera, sífilis, antraz, lepra, tuberculose, tétano e peste bubônica, ceifaram a vida de milhões de pessoas ao longo da história.

Embora nossa capacidade de tratar e prevenir a disseminação dessas doenças tenha melhorado drasticamente no último século, infecções bacterianas ainda estão entre as principais causas de morte no mundo. Cientistas estimam que essas infecções representaram mais de 1 em cada 8 mortes em 2019, tornando-as a segunda principal causa de morte naquele ano. Além disso, o uso excessivo de antibióticos tem aumentado o número de cepas resistentes a antibióticos, que os médicos têm dificuldade de tratar.

Ignorar as bactérias não é uma opção. Simplesmente, precisamos aprender a matar as bactérias que nos prejudicam e a nutrir aquelas que nos ajudam. A chave para isso está em responder uma pergunta que há séculos desafia os cientistas: como as bactérias obtêm seu poder?

A bióloga molecular Bonnie Lynn Bassler, PhD pela Princeton, passou décadas liderando estudos pioneiros sobre como esses organismos microscópicos unicelulares podem impactar nossa saúde de forma tão profunda. E agora ela tem uma resposta:

“Elas fazem isso conversando, contando e realizando tarefas em grupos”, diz ela.

Bassler foi uma das primeiras a descobrir que as bactérias se comunicam trocando moléculas, um processo conhecido como “quorum sensing” (sensoriamento de quórum), e ela construiu sua carreira espionando essas conversas bacterianas. Seu trabalho inovador lhe rendeu uma bolsa MacArthur, o Prêmio Eli Lilly da Sociedade Americana de Microbiologia, o Prêmio Wiley em Ciências Biomédicas e um lugar no Conselho Nacional de Ciências dos EUA, para o qual foi indicada pelo ex-presidente Barack Obama. Bassler venceu o Prêmio Internacional Canadá Gairdner em 2023, que reconhece grandes contribuições no tratamento de doenças (desde a sua criação em 1957, 418 prêmios foram concedidos, e 98 dos ganhadores receberam o Prêmio Nobel). Suas palestras no TED foram vistas por milhões de pessoas. Em uma delas, em 2009, ela lembrou às pessoas quantas células bacterianas elas têm no corpo em comparação com células humanas. “Eu sei que vocês se consideram seres humanos”, disse ela à plateia. “Mas eu penso em vocês como 90% a 99% bacterianos.” As bactérias nos mantêm vivos. Mas também podem fazer coisas terríveis.

Ela está desenvolvendo uma técnica que visa silenciar as bactérias prejudiciais, tornando-as inofensivas. Se bem-sucedida, essa técnica de interromper o quorum sensing poderia não apenas mudar o curso da guerra contra infecções bacterianas, mas também revolucionar a agricultura, o tratamento de água e muito mais.

As bactérias desempenham um papel em praticamente todos os aspectos de nossas vidas. Elas estão presentes no oxigênio que respiramos, sendo responsáveis por 20% de sua produção. Elas estão entre os organismos mais antigos (estamos falando de bilhões de anos) e mais abundantes da Terra, mas ainda há muito a aprender sobre elas. Os cientistas não faziam ideia de que esses organismos aparentemente simples podiam se comunicar até 1970, quando o professor da Universidade de Harvard, John Woodland Hastings, e seus colegas encontraram evidências ao estudar uma bactéria bioluminescente chamada Vibrio fischeri, encontrada em muitos animais marinhos. Hastings e sua equipe notaram que as bactérias não emitiam seu brilho azul-esverdeado a menos que estivessem em grande número. Após mais investigações, Hastings descobriu que as bactérias emitiam uma molécula—que mais tarde seria conhecida como “autoindutor”—que estimulava o brilho coletivo, mas apenas quando a população bacteriana atingia uma determinada densidade. Em outras palavras, as bactérias não “começariam a festa” até que todos os seus “amigos” estivessem presentes.

Demoraria uma década até que outro cientista, Mike Silverman, identificasse o gene ligado a essa molécula sinalizadora misteriosa, assim como os receptores que a recebiam. Silverman, então pesquisador no Instituto Agouron, na Califórnia, conseguiu isso fragmentando um cromossomo de V. fischeri, colocando os pedaços em placas de Petri cheias de E. coli e apagando as luzes para ver quais colônias de E. coli brilhavam.

“O mais notável nesse experimento não foi apenas que as E. coli emitiram luz, mas que elas só o faziam em alta densidade celular e também produziam essa molécula sinalizadora. Ele conseguiu isolar a molécula, a enzima que a produzia, o receptor para essa molécula e os genes responsáveis pela luz, tudo em um pedaço de DNA. Ele resolveu o mistério”, diz Bassler.

 

O circuito de comunicação que Silverman descobriu explicou como as V. fischeri eram capazes de coordenar suas exibições luminosas. Essa descoberta também explicou como a lula bobtail, um dos muitos animais marinhos que abrigam colônias de V. fischeri, utilizava as bactérias. Ao anoitecer, a lula usa o brilho das V. fischeri armazenadas em seu órgão luminoso para se camuflar nas águas iluminadas pelo luar enquanto caça. Quando o sol nasce, a lula expulsa 95% de suas V. fischeri e se enterra na areia para evitar ser vista por predadores. Enquanto se esconde, as poucas bactérias restantes se multiplicam, e, quando o sol se põe novamente, a densidade bacteriana é alta o suficiente para desencadear o brilho novamente.

Após essa descoberta, Silverman conheceu Bassler em uma conferência, onde ele estava apresentando seu trabalho. Na época, Bassler estava concluindo seu doutorado em bioquímica na Universidade Johns Hopkins.

Bassler diz que entrou na ciência “por acidente”. Ela cresceu amando animais e a natureza, e esperava seguir carreira como veterinária. No entanto, logo percebeu que não era a área certa para ela. “Eu realmente gosto de animais vivos, não quero abri-los, memorizar seus ossos ou vê-los doentes. Não durei muito tempo”, explica. Ela então mudou seu foco para a bioquímica, encontrando nas bactérias o equilíbrio perfeito entre seu interesse pela natureza e sua habilidade de resolver enigmas.

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